Histórias de vida

Futebol reúne refugiados e comunidade de acolhimento em Angola

Futebol refugiados angola
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Qua, 01/25/2023

Uma equipa composta por refugiados e os seus vizinhos angolanos está a ajudar a quebrar barreiras e a promover o entendimento, provando que este belo jogo pode ser uma disputa em que todos ganham.

O Futebol Clube Integrado do Lôvua no primeiro jogo do campeonato provincial de Angola, no Dundo, província de Luanda Norte. © UNHCR/Lina Ferreira

Djibril Mukandila era um treinador de futebol de sucesso na República Democrática do Congo (RDC) quando o conflito eclodiu na sua região natal, Grand Kasai. O técnico de 57 anos estava no comando do clube regional AS Vutuka, depois de quase uma dúzia de anos a treinar equipas na RDC e nos Camarões, quando foi forçado a fugir em 2017.

A tensão política e étnica em Kasai aumentou rapidamente, desencadeando uma crise que forçou o deslocamento interno de 1.4 milhão de pessoas: “Vi as terríveis consequências da guerra”, diz Djibril. Ele e a sua família estavam entre os 35.000 que fugiram para Angola, onde agora vive com a sua esposa e cinco filhos no assentamento de Lôvua, na província de Lunda Norte.

A vida como refugiado não era fácil, e o sentimento de frustração profissional de Djibril tornava tudo ainda mais difícil. “Como treinador de futebol, senti que o meu trabalho nunca seria aceite aqui”, diz ele. Mas estava determinado a encontrar uma maneira de usar as suas habilidades e, logo após chegar a Angola, começou a treinar informalmente jovens refugiados congoleses que também fugiam da violência em Kasai.

Como pai e treinador, Djibril entende o importante papel que o desporto pode desempenhar na promoção da coesão social e do bem-estar pessoal e, embora os jogadores pudessem não ser os profissionais com os quais Djibril estava habituado a trabalhar, ele pôde ver o quanto eles beneficiaram, tanto fisicamente como mentalmente.

“O desporto ajuda significativamente os jovens refugiados de várias maneiras”, disse o representante do ACNUR em Angola, Vito Trani. “Não só reforça a coexistência pacífica entre refugiados e jovens angolanos, mas aumenta a sua capacidade de lidar melhor com o seu passado enquanto olham para o futuro.”

Djibril acabou por abrir uma escola de futebol no Lôvua, onde a sua dedicação ao desporto ajuda jovens jogadores refugiados a esquecer a violência da qual escaparam e a imaginar um futuro diferente.

Jogadores do Futebol Clube Integrado do Lôvua treinam no Dundo. © ACNUR/Lina Ferreira

“Às vezes fico triste porque o meu pai e três dos meus irmãos morreram”, diz Mananga Mandundu, de 16 anos, relembrando a sua experiência no conflito na RDC. “O futebol ajuda-me a superar a tristeza que sinto. Quando eu jogo, tudo sai da minha cabeça e sei que um dia o meu sonho de jogar profissionalmente vai tornar-se realidade.”

“Quando jogo futebol, não penso na falta que sinto dos meus amigos”, diz Adore Oyombo, 24, que também fugiu dos horrores que se desenrolavam em Kasai. “Jogar futebol ajuda-me a não pensar mais no passado.” Inspirado pela formação de Djibril, Adore também sonha com a carreira no futebol.

A princípio os refugiados formaram a sua própria equipa e, num torneio organizado pelo ACNUR, venceram a equipa local de angolanos.

“As nossas duas equipas chegaram à final, mas infelizmente a equipa local perdeu”, diz Miguel Baptista, um jovem funcionário público angolano que disputou o encontro. Longe de ficar chateado com a perda, Miguel diz que a experiência mudou sua perspetiva sobre os refugiados. “Quando ouvi pela primeira vez que eles viriam morar para aqui, pensei que seriam pessoas estranhas ou más. Mas quando os conheci, percebi que eles são como eu.”

Com o incentivo de Djibril, os refugiados e os jogadores de futebol locais deixaram de ser rivais para jogarem juntos na mesma equipa. “A ideia era promover a convivência pacífica e estarmos juntos”, diz Djibril, que convidou Miguel para o ajudar.

O treinador da equipa, Djibril Mukandila (à direita), conversa com o seu auxiliar, Miguel Baptista. © ACNUR

“Djibril pediu-me para ser assistente técnico e sugerir jogadores”, diz Miguel. Em Novembro, esta nova equipa composta por refugiados e angolanos estreou-se no campeonato provincial como 'Futebol Clube Integrado do Lôvua' e, apesar de ter perdido o primeiro jogo, impressionou o público.

Fernando Matuca, futebolista e adepto angolano, esteve entre os espectadores desse primeiro jogo oficial. Para sua surpresa, ele estava a torcer pela equipa mista e depois abordou os treinadores pedindo para se juntar. “Receberam-me muito bem e ensinaram-me a jogar melhor”, diz Fernando, atribuindo a Djibril “um bom professor”.

Fernando Matuca é um jogador angolano que se juntou à equipa depois de os ver jogar. © ACNUR/Lina Ferreira

A equipa passa muito tempo junta, praticando todos os dias no Campo de Lôvua, entre o trabalho ou os estudos de cada um. Djibril lidera pelo exemplo, trabalhando como mobilizador para a ONG World Vision, um parceiro do ACNUR, mas ainda encontrando tempo para colocar o seu conhecimento futebolístico ao dispor dos refugiados e da comunidade anfitriã. “Eu trabalhei muito”, diz com orgulho. “Agora todos apreciam o meu trabalho.”

Nos fins de semana, eles viajam regularmente para competir, muitas vezes com um pequeno grupo de adeptos a reboque, e são um exemplo poderoso de como as pessoas podem encontrar pontos em comum e quebrar as barreiras que muitas vezes os separam.

Graças à motivação e à experiência de Djibril, o futuro já parece mais brilhante. “O nosso sonho para a equipa é ver alguns dos jogadores a jogarem profissionalmente, em clubes de futebol noutras partes do mundo,” afirma Chrispus Tebid, Chefe do Escritório do ACNUR na Província de Lunda Norte.

É um sonho que Djibril compartilha, esperando que a sua nova equipa de refugiados e seus vizinhos possam um dia chegar a um torneio continental. Ao mesmo tempo, para os jogadores também o futebol provou ser muito mais do que apenas um desporto, “Fomos amigos enquanto jogávamos um contra o outro”, diz Mananga, o jovem refugiado congolês. “Agora somos uma família.”