Uma convergência de crises em Moçambique está a forçar pessoas a abandonarem as suas casas, muitas vezes várias vezes, complicando os esforços para as ajudar.
Desde outubro, os distúrbios pós-eleitorais obrigaram milhares de moçambicanos e refugiados a fugirem das suas casas. Deslocamentos adicionais e sofrimento vieram no encalço dos ciclones Chido e Dikeledi, que deixaram um rasto de destruição no norte do país desde dezembro. Choques climáticos repetidos como estes aumentaram o sofrimento das populações vulneráveis, incluindo pessoas já deslocadas pelo conflito armado em curso na província de Cabo Delgado, no norte.
Qual é a raiz da crise de deslocamento em Moçambique?
Desde 2017, grupos armados não estatais têm realizado ataques a cidades e aldeias em Cabo Delgado, forçando mais de 1 milhão de pessoas a abandonarem as suas casas. Inicialmente, muitas procuraram refúgio em áreas mais seguras da província, como Pemba, Metuge e Montepuez, mas ondas recorrentes de violência forçaram algumas famílias a fugirem várias vezes. Com as suas casas e meios de subsistência completamente destruídos e grupos armados ainda ativos, regressar a casa não é uma opção para muitas pessoas. Entretanto, as comunidades que as acolhem estão cada vez mais sobrecarregadas.
Como é que as alterações climáticas agravaram a situação?
Moçambique é um dos países mais afetados pela crise climática. Ciclones, inundações e secas desalojaram centenas de milhares de pessoas nos últimos anos. Para as famílias no norte de Moçambique, incluindo refugiados e pessoas deslocadas pelo conflito, o clima extremo tornou-as ainda mais vulneráveis. Desde 2019, as tempestades têm-se tornado cada vez mais intensas e frequentes. O ciclone Freddy, o ciclone tropical de maior duração registado, devastou oito províncias no início de 2023, deslocando 184.000 pessoas e deixando 1,1 milhão a precisar de ajuda. As inundações e secas ameaçam os meios de subsistência, particularmente para a maioria das pessoas deslocadas e as comunidades que as acolhem, que dependem da agricultura.
Mazamo Itabile e a sua família foram deslocados pela primeira vez da sua aldeia em Macomia, Cabo Delgado, pelo ciclone Kenneth, em 2019. Meses depois, ataques de grupos armados não estatais forçaram-nos a fugir novamente, desta vez para o distrito de Metuge. Ao longo dos anos, trabalharam arduamente para reconstruir as suas vidas. Mazamo, um antigo pescador, aprendeu construção civil para sustentar a família e poupou o suficiente para construir uma casa modesta de três quartos em Mieze.
A vida não era fácil, mas conseguimos. As crianças podiam ir à escola e tínhamos um teto sobre as nossas cabeças.
Mazamo
Este frágil sentido de estabilidade foi destruído quando o ciclone Chido atingiu o norte de Moçambique a 15 de dezembro de 2024. A intensa tempestade tropical deixou um rasto de destruição em Cabo Delgado, Nampula e Niassa, afetando mais de 450.000 pessoas e destruindo parcial ou totalmente mais de 100.000 casas, bem como escolas, centros de saúde e estradas.
“Era tão forte que a casa estava a dançar”, diz Sonia, a filha mais velha de Mazamo. “Depois, o telhado foi arrancado e a casa desmoronou.” A família fugiu a meio da noite, enfrentando ventos implacáveis e destroços voadores. De manhã, tinham perdido tudo novamente.
Marcelo, o filho de 16 anos de Mazamo, receia que o seu sonho de ser o primeiro da família a frequentar a universidade possa já não ser possível. “Quero estudar, mas não tenho nada”, diz, segurando os poucos livros danificados pela água que conseguiu salvar.
Com a época dos ciclones a prolongar-se até março, esperam-se mais tempestades. O ciclone Dikeledi, que atingiu o país esta semana, afetou mais 30.000 pessoas, destruindo casas, escolas e igrejas no seu percurso.
Como é que as tensões políticas estão a causar mais deslocamentos?
As eleições presidenciais contestadas de 9 de outubro alimentaram protestos e instabilidade, levando quase 8.000 pessoas a procurar refúgio no Malawi e em Essuatíni.
Em Essuatíni, os novos chegados estão a ser acolhidos no Centro de Receção de Refugiados de Malindza, que está agora criticamente sobrelotado. No Malawi, os refugiados relatam ataques e pilhagens, tendo-se escondido no mato antes de atravessarem o rio Shire. O ACNUR está a distribuir tendas, cobertores e kits de higiene às famílias deslocadas, mas os recursos são limitados. Apesar de os eSwatis e malawianos terem acolhido calorosamente os refugiados, é crucial um apoio adicional.
Moçambique alberga cerca de 25.000 refugiados e requerentes de asilo, um terço dos quais vive no assentamento de refugiados de Maratane, na província de Nampula. Também eles foram afetados pela instabilidade política. Mais de 1.000 refugiados e requerentes de asilo fugiram para Maratane no final de dezembro após a destruição e pilhagem de muitas lojas e negócios, incluindo os pertencentes a refugiados.
Como é que a instabilidade tem impactado os esforços humanitários e a resposta do ACNUR?
A insegurança contínua dificultou os esforços para entregar ajuda e reconstruir infraestruturas críticas destruídas pelo ciclone Chido.
A violência e os saques interromperam a distribuição de alimentos e abrigos em vários distritos de Cabo Delgado, enquanto em algumas áreas de Nampula e Cabo Delgado o acesso humanitário foi dificultado pela situação de segurança.
Antes da chegada do ciclone, o ACNUR apoiou o Governo, em conjunto com outras agências da ONU e ONG, a avisar as comunidades para se prepararem para o desastre. Dentro de 48 horas após o ciclone, o ACNUR estava no terreno, a distribuir lonas e cobertores e a encaminhar os mais vulneráveis para apoio psicossocial. O ACNUR tem trabalhado com parceiros locais para garantir que as pessoas deslocadas em áreas remotas recebem apoio, mesmo onde o acesso é difícil devido às tensões pós-eleitorais, ataques de grupos armados e estradas danificadas pelos ciclones.
Mazamo e a sua família estão entre os que receberam assistência do ACNUR, incluindo lonas e cobertores. Ainda assim, o caminho para a recuperação será longo. “Esta casa era tudo para nós”, diz Mazamo, apontando para os escombros. “Agora, começamos do zero.”
Enquanto Moçambique enfrenta os impactos sobrepostos de conflito, choques climáticos e tensões políticas, mais apoio internacional é vital. O ACNUR necessita de recursos adicionais para aumentar o apoio às comunidades afetadas. O plano de resposta humanitária do ano passado para Moçambique foi financiado apenas em 40%.
Este é um resumo do que foi dito pela porta-voz do ACNUR, Eujin Byun – a quem se pode atribuir o texto citado – no briefing de imprensa de 17 de janeiro de 2025 no...
ONU e parceiros apelam a 3,32 mil milhões de dólares em 2025 para apoiar planos de resposta humanitária e de refugiados para a Ucrânia
Ajude os refugiados