Consigliere federale – caro Ignazio,
Chère Zakia,
Distintos delegados,
Colegas e amigos,
Em 15 de Dezembro de 2023, exatamente há dois anos, chegou ao fim o Segundo Fórum Global sobre os Refugiados. Parecia certamente um tempo diferente e, no entanto, ao pensar no próximo Fórum Global sobre os Refugiados em 2027, nas minhas observações finais alertei que – e cito: “Não tenhamos ilusões. O caminho até lá não será tranquilo. Haverá interrupções e obstáculos. E teremos retrocessos causados por tempestades de todos os tipos.”
Creio falar por todos quando digo: gostaria de ter estado errado!
Este último ano foi definido por uma tempestade após outra. No conjunto, uma verdadeira tempestade perfeita.
Assistimos às atrocidades intermináveis cometidas no Sudão, na Ucrânia, em Gaza e em Myanmar. Só nos últimos dias, vimos mais um jardim-de-infância, mais um edifício de apartamentos e mais um hospital bombardeados, matando dezenas de pessoas e deslocando milhares de outras, somando-se aos milhões já forçados a fugir de uma violência sem sentido em busca de segurança. Tudo isto num contexto global em que o ódio é cada vez mais autorizado a espalhar divisões racistas, como infelizmente o demonstra o massacre hediondo de ontem contra a comunidade judaica em Sydney.
Um ano em que os refugiados foram frequentemente vilipendiados, usados como bodes expiatórios em tantos lugares. Com o seu sofrimento explorado cinicamente por traficantes para lucro próprio, e a sua situação instrumentalizada por políticos para ganhar votos nas eleições seguintes.
Um ano de ataques repetidos à Convenção sobre os Refugiados de 1951 e à própria instituição do asilo.
E, naturalmente, um ano em que o colapso súbito, drástico, irresponsável e míope da assistência externa continua a devastar o sector da ajuda, infligindo tanta dor desnecessária no seu rasto; aos refugiados, claro, mas também a todos aqueles – a todos vós – que trabalham para levar o alívio que ainda conseguem proporcionar.
Hoje, porém, não quero deter-me nestes desafios. De facto, o caminho para a proteção é longo, estreito e difícil. Inevitavelmente, haverá mais retrocessos ao longo do percurso. Sempre o soubemos, tal como sempre soubemos que a compaixão e a solidariedade seriam desvalorizadas e ridicularizadas.
Não podemos deixar que isso nos desanime, e simplesmente não nos deixaremos desencorajar.
Pelo contrário, devemos lembrar-nos sempre de que, como a Zakia descreveu com tanta elegância em nome de milhões de refugiados, a solidariedade salva vidas.
La solidarité sauve des vies.
Merci, Zakia, por partilhares connosco estas palavras tão importantes, tão necessárias hoje. Pelo teu exemplo, recordas-nos — apesar de um discurso global cada vez mais intolerante — que nunca devemos desistir. Que as pessoas refugiadas enriquecem as nossas sociedades e comunidades, como tu própria demonstraste de forma tão inspiradora, pelos teus actos e pelas tuas palavras. Somos nós, portanto, que te agradecemos.
Caros amigos,
Esta determinação tem de continuar a ser a nossa estrela do norte. E, ao navegarmos juntos nestes e em futuros tempos turbulentos, o Pacto Global sobre os Refugiados é o mapa que continuará a guiar-nos numa jornada que – não esqueçamos – começou há quase 10 anos, em 2016, com a adopção, pela Assembleia Geral, da Declaração de Nova Iorque sobre os Refugiados e Migrantes.
Percorremos um longo caminho.
É importante lembrarmo-nos disso. Sei que a tentação é concentrarmo-nos sempre nos problemas do dia. Existem, de facto, emergências reais que têm de ser enfrentadas, obstáculos reais a ultrapassar. E, por vezes, somos tentados pelo desespero.
Mas, se quisermos manter o rumo, se quisermos continuar no caminho certo, temos também de aprender a erguer o olhar. Para compreender para onde vamos, precisamos de recordar de onde viemos. Assim, a minha principal mensagem hoje, ao abrirmos esta Revisão de Progresso do Fórum Global sobre os Refugiados, é que já alcançámos muito. Não devemos fugir a esse reconhecimento – pelo contrário, agora é o momento de construir sobre isso.
A última década – incluindo os últimos dois anos desde o segundo Fórum Global sobre os Refugiados – foi sobre muito mais do que retrocessos. Graças aos nossos esforços coletivos, o quadro que criámos e desenvolvemos pacientemente em conjunto ao longo de 10 anos – certamente não perfeito – produziu resultados.
Através dos Fóruns Globais sobre os Refugiados, dos compromissos assumidos, das promessas feitas – de todas as diferentes facetas do nosso trabalho – fizemos uma diferença real na vida dos refugiados e das comunidades que os acolhem. Basta olhar para os números. Desde o último Fórum, em 2023, foram assumidos quase 3 500 compromissos individuais e 47 compromissos multiatores, com mais de 2,6 mil milhões de dólares já desembolsados através de compromissos financeiros cumpridos – muitos deles acompanhando compromissos dos países de acolhimento para adotarem políticas mais inclusivas.
Fizemos progressos significativos na mobilização de financiamento para o desenvolvimento de forma mais rápida e eficaz nas respostas aos refugiados. De acordo com dados da OCDE, cerca de 4 mil milhões de dólares são investidos anualmente por atores do desenvolvimento em situações de deslocamento forçado. E isto é novo – não existia há 10 anos.
Estes esforços impulsionaram avanços na educação, no emprego, na protecção dos refugiados, na ação climática e na melhoria do acesso e da qualidade dos serviços para refugiados e comunidades de acolhimento. O futuro das respostas ao deslocamento forçado reside no reforço da capacidade dos sistemas nacionais para incluir os refugiados – e não na criação de sistemas paralelos. Isto não só garantirá respostas mais sustentáveis, como também mitigará o impacto de futuros choques financeiros, reduzindo a dependência da ajuda externa.
Será fundamental continuar a forjar novas e inovadoras parcerias com uma ampla gama de intervenientes – o sector privado, organizações lideradas por refugiados, instituições financeiras internacionais, fundos relacionados com o clima, academia, sociedade civil, organizações desportivas e, naturalmente, os próprios refugiados – cada um contribuindo com o seu talento, experiência e determinação na procura de soluções.
Não teríamos feito progressos desta magnitude sem o Pacto e o seu quadro de compromissos. Como costumo dizer, o Pacto sobre os Refugiados – a ser visto como complementar ao Pacto para uma migração segura, ordenada e regular – é uma caixa de ferramentas que propõe aos Estados e a outros parceiros soluções sobre como aplicar os princípios da Convenção de 1951 e de outros instrumentos jurídicos no mundo complexo de hoje.
E, para além de quadros e estruturas, é a visão subjacente de cooperação e partilha de responsabilidades que devemos absolutamente preservar e alimentar. A crença de que, trabalhando em conjunto, são possíveis soluções para o deslocamento forçado.
Existem muitos exemplos, alguns apresentados pelos países co-convocadores.
O Uganda lembra-nos frequentemente – e com razão – que não é possível separar refugiados quando milhares de pessoas atravessam a fronteira todos os dias. Eu iria mais longe – com a vossa permissão, Senhor Secretário Permanente – e diria que o Uganda tem demonstrado, ano após ano, o que significa acreditar no potencial dos refugiados, não apenas através de palavras, mas sobretudo através do seu compromisso com a autossuficiência e a dignidade dessas pessoas. E isto apesar de acolher quase 2 milhões de refugiados.
O mesmo compromisso e coragem estiveram na base da decisão histórica da Colômbia de aprovar o Estatuto de Proteção Temporária para venezuelanos deslocados em 2021, beneficiando cerca de 2 milhões de refugiados e migrantes venezuelanos – um verdadeiro ponto alto do meu mandato como Alto-Comissário, e um exemplo a que recorro frequentemente.
Recordem-se: na altura, o mundo ainda estava mergulhado numa pandemia global que afetara todos. E, ainda assim, o então Presidente Duque compreendeu que conceder aos refugiados e migrantes venezuelanos acesso à residência, ao emprego e aos serviços beneficiaria tanto os venezuelanos como as comunidades colombianas de acolhimento. E tinha razão.
Esse é o poder da inclusão.
Muitos outros países demonstraram liderança semelhante e avançaram no sentido de uma maior inclusão das pessoas deslocadas nas suas sociedades e economias. Só este ano, Quénia, Etiópia, Ruanda, Brasil, entre muitos outros, apresentaram roteiros ou adotaram políticas destinadas a reforçar a autossuficiência dos refugiados e a gerar benefícios para as comunidades de acolhimento. O Plano Shirika do Quénia é um exemplo particularmente marcante, mostrando como – após anos de debate difícil sobre a presença de refugiados no país – é possível deixar para trás divisões do passado e avançar para uma maior unidade.
Mas – e este é um ponto crítico que tenho sublinhado inúmeras vezes – estes esforços não podem ter sucesso isoladamente. Acolher refugiados tem um custo, um custo que países como o Chade, o Irão, a Costa Rica, o Egipto e muitos outros não podem suportar sozinhos. Precisam de apoio, especialmente financeiro; caso contrário, existe o risco de os ganhos em matéria de proteção para os refugiados serem erodidos e de, como mostra o recente Relatório de Indicadores do Pacto Global sobre os Refugiados, o progresso ser desfeito. Ou melhor, ser ainda mais desfeito, tendo em conta o impacto que os recentes cortes de financiamento já tiveram.
Regressei na semana passada de uma visita ao Sudão – a minha última missão do ACNUR, a um país que me é muito querido, pois foi onde comecei a trabalhar para o ACNUR em 1988. Foi um confronto duro com a realidade. A dimensão da destruição que vi e a profundidade do trauma infligido ao povo sudanês são devastadoras. Foi difícil ouvir mulheres sudanesas deslocadas em Ad-Dabbah descreverem a violência sexual de que escaparam. Mais difícil ainda é explicar que o ACNUR e os seus parceiros não conseguem fornecer toda a ajuda de que necessitam por falta de fundos. Que acusação vergonhosa ao estado da solidariedade internacional.
Por isso, tenho de apelar mais uma vez à vossa generosidade, em nome dessas mulheres, em nome de todos os refugiados, deslocados e pessoas apátridas, e em nome das comunidades que os acolhem, especialmente nas situações que permanecem à margem da atenção global. Tenho de apelar novamente por mais financiamento e por financiamento de melhor qualidade – isto é, financiamento flexível, não afetado, que possa ser utilizado onde as necessidades são maiores.
E tenho também de apelar para que os fundos prometidos sejam desembolsados o mais cedo possível em 2026, para evitar quaisquer interrupções na prestação de assistência que salva vidas – ou mesmo de assistência que muda vidas.
E aqui penso, em particular, no nosso trabalho no âmbito das soluções – outro objetivo central do Pacto Global sobre os Refugiados, como bem sabem.
É impossível falar hoje de soluções para o deslocamento forçado sem pensar imediatamente na situação na Síria, dadas as mudanças profundas dos últimos 12 meses, que permitiram o regresso voluntário em larga escala de mais de 3 milhões de sírios, incluindo 1,2 milhões de refugiados. A Síria encontra-se num momento crucial. É também um país que – como certamente ouviremos na quarta-feira, no evento paralelo dedicado – necessita de investimentos imensos para reconstruir, criar empregos, garantir acesso a serviços básicos e, claro, assegurar a segurança para que o regresso de refugiados e deslocados seja sustentável. É aqui que o nosso apoio coletivo, e os vossos compromissos, podem fazer uma diferença significativa. É aqui que o alívio humanitário, o desenvolvimento a longo prazo, a paz e os direitos humanos se cruzam.
Caros amigos,
Há tantos outros aspetos importantes do nosso trabalho que não mencionei. A abordagem inovadora de proteção baseada em rotas, que promovemos – em conjunto com a Organização Internacional para as Migrações, a Comissão Europeia e outros – para responder aos movimentos mistos de refugiados e migrantes, para citar um exemplo evidente.
Ou os enormes progressos alcançados no combate à apatridia desde o lançamento da Aliança Global para acabar com a Apatridia, há pouco mais de um ano.
Mas não quero antecipar a discussão, pois é precisamente por isso que aqui estamos – para avaliar os progressos realizados no cumprimento dos nossos compromissos, identificar lacunas que persistem ou que surgiram, e traçar o caminho a seguir.
Um caminho que continuarei a percorrer, mas – a partir de 1 de Janeiro – já não como Alto Comissário para os Refugiados, mas como cidadão, como apoiante, e com a mesma crença no poder do trabalho conjunto.
Um novo Alto Comissário para os Refugiados – como ouvimos do Conselheiro Federal – cujo processo de seleção, como sabem, está prestes a ser finalizado, suceder-me-á muito em breve. Como o processo ainda não foi formalmente concluído, limito-me, por agora, a dizer que tenho plena confiança no discernimento do Secretário-Geral – ele próprio antigo Alto Comissário para os Refugiados – e, naturalmente, na decisão da Assembleia Geral.
Entretanto, não paramos. Temos trabalho importante a realizar nos próximos três dias.
Por isso, permitam-me, por agora, dar novamente as boas-vindas a todos vós, juntamente com os nossos anfitriões suíços, cujo generoso apoio tornou este evento possível. E agradeço mais uma vez, caro Ignazio, pelas tuas palavras gentis, pelo teu apoio constante, pela tua amizade pessoal e, claro, pelo belo presente.
Permitam-me terminar mencionando um último destaque da última década, certamente muito pessoal para mim. Em Junho de 2022, passei o Dia Mundial do Refugiado na Costa do Marfim, para testemunhar o regresso de refugiados marfinenses ao seu país, alguns após 20 anos de exílio. Durante a minha visita, fui até à fronteira com a Libéria, onde futuros repatriados atravessavam o rio Cestos num pequeno barco, muitos deles a pisar o seu país natal pela primeira vez. Juntei-me a um dos últimos grupos de regressados a atravessar esse rio.
Quando chegou o momento de desembarcar na Costa do Marfim, recordo vividamente segurar a mão de uma pequena rapariga marfinense. Não devia ter mais de 6 ou 7 anos e usava um colete salva-vidas cor de laranja vivo, demasiado grande para ela. Tenho pensado muitas vezes nessa menina, perguntando-me se era eu que segurava a mão dela – ou se, na verdade, era ela que segurava a minha.
E, por isso, quero hoje reconhecer de forma muito especial os mais de 300 participantes que foram ou são eles próprios refugiados, deslocados ou pessoas apátridas, e que farão parte desta Revisão de Progresso. Quero agradecer-vos muito particularmente por fazerem parte deste processo e por nos ajudarem a avançar.
Não podemos ter sucesso sem vocês.
E agora, mãos à obra.
Obrigado.
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