O intenso conflito no estado de Rakhine, em Myanmar, agravou ainda mais a situação dos Rohingya, uma minoria muçulmana perseguida e apátrida, levando um número crescente de pessoas a fugir por mar.
Desde que o barco em que viajava chegou a uma praia em East Aceh, Indonésia, há um mês, Ali, de 30 anos, tem estado num local sobrelotado com cerca de 380 outros refugiados Rohingya apátridas que arriscaram viagens semelhantes por mar nos últimos meses.
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Ele está preocupado com os pais e irmãos, que continuam no campo para deslocados internos no oeste do estado de Rakhine, onde viveu nos últimos 13 anos. A vida lá nunca foi fácil, mas desde o final de 2023, os residentes do campo e as comunidades em todo o estado de Rakhine têm pago um preço elevado devido ao ressurgimento do conflito.
Centenas de civis foram mortos por bombardeamentos indiscriminados, ataques aéreos e minas terrestres, enquanto outros foram recrutados à força, deslocados ou privados dos seus meios de subsistência e de bens e serviços essenciais, incluindo cuidados de saúde, alimentação e água potável.
O conflito também restringiu severamente a quantidade de ajuda humanitária que o ACNUR, a Agência da ONU para os Refugiados, e outras organizações humanitárias conseguiram entregar aos campos para deslocados Rohingya, como aquele onde Ali vivia. O acesso humanitário a partes do estado de Rakhine tem sido um desafio desde que o conflito reacendeu em novembro de 2023, embora alguma assistência ainda seja fornecida por parceiros locais e voluntários.
Duas semanas no mar
Os Rohingya enfrentam há muito tempo violência e discriminação em Myanmar, mas o conflito atual reacendeu tensões latentes entre as comunidades Rohingya e Rakhine. Sair do campo para procurar trabalho ou comida tornou-se extremamente arriscado, conta Ali. “Às vezes íamos à praia para pescar e ganhar dinheiro… mas apanhavam-nos e punham-nos na prisão ou até nos matavam. Durante algum tempo, não tivemos acesso a trabalho e a vida tornou-se muito difícil. Não havia oportunidades para ganhar a vida.”
Quando soube que outras pessoas no campo estavam a planear fugir de barco, decidiu juntar-se a elas, levando consigo a esposa, os dois filhos e o irmão mais novo.
A viagem durou duas semanas. “Muitos de nós adoeceram gravemente no barco, vomitavam e tinham vários problemas de saúde”, conta ele, referindo que, das 125 pessoas a bordo, 35 eram crianças. “Ao fim de 10 dias, ficámos sem comida e água.”
O barco chegou à costa da Malásia exatamente quando os suprimentos se esgotaram, mas Ali relata que a Marinha da Malásia impediu-os de desembarcar e empurrou o barco de volta para o mar. Quando tentaram aproximar-se da Tailândia, foram novamente bloqueados.
O barco acabou por chegar à costa da província de Aceh, na Indonésia, a 5 de janeiro. Ali e os outros passageiros caminharam pela água até à praia e sentaram-se ali até serem descobertos por habitantes locais, que contactaram as autoridades.
“Eu nunca recomendaria a ninguém fazer esta viagem de barco”, diz ele agora. “Enfrentei dificuldades que nunca poderia ter imaginado.”
Rotas em mudança
Apesar dos riscos, um número crescente de Rohingya está a fazer viagens semelhantes. No ano passado, mais de 7.800 tentaram fugir de Myanmar por mar – um aumento de 80% em comparação com 2023 –, dos quais mais de 650 morreram ou desapareceram. Desde o início deste ano, outros 700 já tentaram a travessia.
Refugiados que fogem de Myanmar de barco
Fonte: ACNUR. Criado com Datawrapper
Enquanto em 2023 a maioria dos barcos partia do Bangladesh, que abriga mais de um milhão de refugiados Rohingya nos campos de Cox’s Bazar, desde o ano passado a maioria tem saído diretamente de Myanmar.
País de origem por ano
Além de se lançarem ao mar em direção à Malásia, Tailândia, Indonésia e até Sri Lanka, milhares de Rohingya também tentaram atravessar o rio Naf para procurar segurança no Bangladesh no último ano.
Entre eles estava Sadeqa Bibi, de 19 anos, e o seu filho de 2 anos. Até 2024, ela e o marido levavam o que descrevia como “uma vida normal” numa aldeia perto da cidade de Maungdaw, em Rakhine. Mas os preços dos alimentos começaram a subir de forma insustentável e, a 17 de junho, enquanto se preparavam para cozinhar carne para a refeição do Eid al-Adha, bombas começaram a cair sobre a aldeia. Fugiram para Maungdaw, onde passaram a noite, mas na manhã seguinte, uma bomba atingiu a parede da casa onde estavam, matando o marido de Sadeqa e decepando a mão do seu irmão.
Sadeqa e o filho, juntamente com os pais e irmãos mais novos, conseguiram lugar num barco para atravessar o rio Naf. “Havia muitas pessoas no rio; mais de 50 estavam num único barco”, recorda. “Entre elas, cerca de 10 estavam mortas ou à beira da morte devido a ferimentos de bala… Depois de passar um dia e uma noite inteiros com fome, finalmente chegámos a terra na noite seguinte.”
Sadeqa Bibi e o seu filho de 2 anos fugiram de Myanmar depois de o marido ter sido morto num ataque com bomba. © ACNUR/Amanda Jufrian
Depois de chegar ao Bangladesh, Sadeqa e a família ficaram com parentes que viviam num dos campos, que partilharam com eles o pouco que tinham. Pouco depois, decidiram que não tinham outra escolha senão partir e embarcaram num barco que passou semanas no mar. Sem comida nem água suficientes, tiveram de beber água do mar para sobreviver e três pessoas morreram. Quando o barco chegou à costa de South Aceh, a 18 de outubro, muitos dos 151 passageiros que restavam estavam gravemente doentes. Foram necessários vários dias de esforços de advocacia por parte do ACNUR e seus parceiros antes de Sadeqa e os outros passageiros serem finalmente autorizados a desembarcar. Apesar da resistência inicial, a comunidade local acabou por doar comida, água e roupas aos refugiados.
“Depois de passar dias na água, rezávamos constantemente a Alá, perguntando quando poderíamos pôr os pés em terra”, disse Sadeqa. “Quando [eles] nos resgataram e trouxeram para terra, ficámos incrivelmente gratos.”
O desejo por um futuro melhor
O ACNUR está a trabalhar com o governo local e a Organização Internacional para as Migrações na gestão de sete locais temporários em Aceh e Sumatra do Norte, onde os refugiados Rohingya têm ficado desde que chegaram de barco. Apenas dois deles, em Aceh, foram oficialmente designados pelo governo como locais formais com condições adequadas. O ACNUR está a fornecer alimentos através de uma organização parceira local, além de segurança, aconselhamento e outros serviços para apoiar os refugiados.
Um membro da equipa do ACNUR fala com dois refugiados Rohingya num local em Aceh do Sul. © UNHCR/Amanda Jufrian
Com o mar mais calmo entre as monções e a situação em Myanmar a continuar a deteriorar-se, é expectável que mais Rohingya se arrisquem nessas viagens nas próximas semanas. O ACNUR apelou aos Estados da região para que priorizem a salvaguarda de vidas e garantam que as medidas de controlo das fronteiras não prejudiquem o direito das pessoas à segurança.
Ali está grato pela segurança e apoio que recebeu na Indonésia, mas o país não é signatário da Convenção de Refugiados de 1951 e não permite que os refugiados trabalhem. Ele anseia por ir para um lugar onde possa encontrar emprego e enviar os filhos para a escola. “Quero que os meus filhos tenham uma boa educação; não quero que fiquem sem instrução como eu. Quero que tenham um futuro brilhante.”
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