A minha viagem: Como a educação ajuda as raparigas refugiadas a quebrar o ciclo de dificuldades A minha viagem: Como a educação ajuda as raparigas refugiadas a quebrar o ciclo de dificuldades

A minha viagem: Como a educação ajuda as raparigas refugiadas a quebrar o ciclo de dificuldades

27 de setembro, 2023

Tempo de leitura: 4 minutos

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Monicah Malith fugiu do conflito no Sudão do Sul em criança e mudou-se para o Quénia, onde superou desafios para continuar a sua educação e é agora estudante de Direito e a primeira mulher refugiada a presidir à Associação de Estudantes da Universidade de Nairobi.

Como jovem refugiada, enfrentei muitos desafios no meu percurso educativo, mas com determinação, resiliência e trabalho árduo, consegui ultrapassar essas dificuldades pessoais.

Houve dificuldades devastadoras - incluindo a perda do meu pai durante os exames do liceu, a luta constante para pagar as propinas e a pressão contínua para consentir com casamentos forçados - bem como esperança e oportunidades.

Acredito que a partilha das minhas experiências pode capacitar outras raparigas refugiadas que enfrentam desafios e contratempos como os meus e que podem descobrir que a educação é a chave para transformar a sua vida, libertar-se das restrições sociais e traçar o seu próprio caminho.

Quando era criança e estava a crescer no Sudão do Sul, não conhecia outra vida para além do gado. O meu pai tinha uma grande manada de vacas e nós andávamos sempre em movimento à procura de pasto e água. Mas também havia guerra e, quando os combates se tornaram mais intensos, fui enviada para a capital, Juba, com outras crianças pequenas.

Tinha apenas 12 anos, mas, de acordo com a tradição, iria casar em breve e já havia quatro homens à espera na fila. Felizmente para mim, a minha tia ia para o Quénia para se proteger do conflito e o meu pai deixou-me ir com ela para ajudar nas tarefas domésticas. Naquela altura, a educação nem sequer era um sonho meu.

Foram precisos três dias num camião carregado de caixas de refrigerantes para chegar ao campo de refugiados de Kakuma e de lá fomos para Eldoret. Lembro-me perfeitamente da data da minha chegada: era um domingo de manhã, às 10 horas, a 13 de julho de 2008.

Quando me inscrevi na escola primária, um ano mais tarde, era a mais velha da turma, só falava a minha língua materna, não sabia escrever o meu nome e nem sequer sabia contar até 10! Mas eu era determinada e esforçava-me muito e depressa consegui apanhar o ritmo. No final do ano, era a melhor da minha turma.

À medida que a crise no Sudão do Sul se agravava, os constrangimentos financeiros tornavam difícil continuar a pagar as propinas, enquanto a pressão social e cultural para casar se tornava insuportável à medida que eu crescia na adolescência - chegava a casa da escola e encontrava vários homens que tinham visitado a minha tia para casar comigo - mas eu queria continuar a minha educação.

Um homem ofereceu-se para pagar as minhas propinas e senti que tinha encontrado alguém que se preocupava realmente com os meus estudos, mas depois disse-me que teria de casar com ele em troca. Senti-me traída e enganada, e rejeitei a sua proposta, embora por vezes sentisse que seria mais fácil estar casada e ter alguém a sustentar-me. Através de um grupo da igreja, consegui encontrar um padrinho e trabalhei arduamente durante o liceu, mas pouco antes dos exames nacionais o meu pai adoeceu, com a sua saúde a piorar a cada dia que passava. Perder o meu pai foi um golpe devastador.

Não tinha ninguém para me apoiar. No meio da minha dor, reuni todas as minhas forças para honrar a sua memória e terminar os meus exames com sucesso.

Monicah fala com outros estudantes que participam num fórum de jovens sobre desenvolvimento sustentável na Universidade de Nairobi.

Monicah fala com outros estudantes que participam num fórum de jovens sobre desenvolvimento sustentável na Universidade de Nairobi. © UNHCR/Charity Nzomo

Quando olhei para o futuro depois da escola e para o sonho da universidade, as bolsas de estudo ofereciam um vislumbre de esperança ao proporcionarem apoio financeiro e protegerem as jovens refugiadas como eu dos casamentos forçados, mas a pandemia de COVID-19 chegou e tudo foi adiado.

Sempre quis melhorar o sistema judicial no meu país, o Sudão do Sul, pelo que me candidatei a estudar Direito na Universidade de Nairobi. A meio do meu primeiro ano, ouvi falar da bolsa de estudo DAFI* nas redes sociais. Candidatei-me imediatamente e tive a sorte de ser selecionada. A bolsa deu-me paz de espírito, sabendo que as minhas propinas seriam pagas, e libertou-me da ideia de que alguém exigiria algo em troca da minha educação.

No ano passado, fui eleita Presidente da Associação de Estudantes da Universidade de Nairobi, tornando-me a primeira mulher refugiada a ocupar o cargo. Nessa função, estou a defender um maior apoio financeiro para os estudantes refugiados e uma maior bondade, porque todos nós, refugiados, sofremos hostilidades e traumas nas nossas vidas.

O meu percurso pessoal exemplifica a resiliência e a determinação das raparigas refugiadas e mostra que, se nos capacitarmos através da educação, podemos quebrar o ciclo de dificuldades e abrir caminho para um futuro mais risonho. Se aproveitarmos todas as oportunidades, nada nem ninguém nos pode impedir de alcançar o que queremos.

*O programa de bolsas de estudo DAFI (Iniciativa Académica Alemã Albert Einstein para Refugiados) oferece aos estudantes refugiados e repatriados qualificados a possibilidade de obterem um diploma universitário no seu país de asilo ou no seu país de origem.

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