Um ano de turbulência: Conflitos, crises e deslocações em 2024 Um ano de turbulência: Conflitos, crises e deslocações em 2024

Um ano de turbulência: Conflitos, crises e deslocações em 2024

26 de dezembro, 2024

Tempo de leitura: 12 minutos

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Mesmo tendo em conta os padrões dos últimos anos, 2024 foi um ano de turbulência em que eclodiram novos conflitos, as crises existentes agravaram-se e as catástrofes provocadas pelo clima multiplicaram-se. Como resultado, o número de pessoas forçadas a fugir das suas casas devido a conflitos e perseguições atingiu quase 123 milhões no final de junho.

Este número aumentou ainda mais com a escalada dos conflitos no Médio Oriente e com as centenas de milhares de pessoas que continuam a fugir da violência no Sudão, na Ucrânia, na República Democrática do Congo e noutros locais. Enquanto novas deslocações estão a aumentar, milhões de pessoas estão presas em situações de exílio prolongado - incapazes de regressar a casa em segurança, mas sem a possibilidade de reconstruir as suas vidas nos locais para onde fugiram. São urgentemente necessárias soluções - soluções para pôr fim aos conflitos, mas também soluções que tragam aos refugiados e a outras pessoas deslocadas à força a possibilidade de contribuírem para as suas novas comunidades.

A seguir, apresentamos um resumo de algumas das situações mais críticas a que o ACNUR, respondeu em 2024 e alguns dos desenvolvimentos positivos que surgiram no meio da agitação.

Conflito no Sudão

A guerra e o derramamento de sangue no Sudão têm continuado sem cessar, causando um sofrimento inimaginável e provocando um êxodo que constitui atualmente uma das maiores crises de deslocação de pessoas a nível mundial, apesar de o mundo ter, em grande medida, desviado o olhar.

Desde o início dos combates, em abril de 2023, mais de 12 milhões de pessoas foram obrigadas a fugir das suas casas. Este número inclui mais de 3 milhões de pessoas que fugiram para os países vizinhos e 8,4 milhões de indivíduos deslocados dentro do Sudão. O conflito teve um impacto devastador na segurança alimentar, com mais de metade da população a enfrentar atualmente uma fome aguda. As pessoas estão a chegar desesperadamente aos países vizinhos, incluindo o Chade, o Sudão do Sul e o Egito, onde os serviços nacionais de saúde, educação e assistência social estão a sofrer grandes pressões e o financiamento da comunidade internacional é insuficiente para colmatar as lacunas.

A estação das chuvas agravou as condições já de si terríveis nos campos sobrelotados, tanto no Sudão como no Chade e no Sudão do Sul, onde as inundações generalizadas contribuíram para surtos de cólera e malária. Em 2025, se os esforços de paz falharem e a guerra continuar, prevê-se que o número de pessoas forçadas a fugir atinja mais de 16 milhões, um número que desafiaria os esforços para satisfazer até as necessidades humanitárias mais básicas.

Emergência no Líbano

A partir do final de setembro, a intensificação dos ataques aéreos israelitas atingiu dezenas de cidades em todo o Líbano, matando milhares de pessoas e deslocando cerca de 900.000 no interior do país. Outras 557.000 pessoas atravessaram para a Síria, a maioria das quais sírios que tinham feito a viagem de regresso ao Líbano em busca de segurança anos antes.

Na sequência de um frágil cessar-fogo que entrou em vigor em 27 de novembro, muitas pessoas deslocadas começaram a regressar ao Sul do Líbano, mas mais de dois meses de ataques reduziram muitas zonas a escombros e a reconstrução poderá demorar anos.

O ACNUR e os seus parceiros da ONU e das ONG estão a fornecer ajuda de emergência e kits de inverno às pessoas deslocadas e aos retornados no Líbano, mas é necessário um financiamento significativamente maior. O ACNUR tem apelado repetidamente a cessar-fogos duradouros que ponham termo ao sofrimento no Líbano e em Gaza e apelado ao restabelecimento do financiamento essencial da Agência das Nações Unidas para os Refugiados da Palestina (UNRWA).

A Síria numa encruzilhada

Uma ofensiva lançada por grupos armados a 27 de novembro conduziu ao derrube do antigo governo no dia 8 de dezembro, suscitando a esperança de pôr termo à maior crise de deslocados do mundo, a par da incerteza quanto ao futuro imediato do país.

Antes destes acontecimentos dramáticos, mais de 13 milhões de pessoas continuavam deslocadas, quer no interior da Síria, quer nos países vizinhos. Após quase 14 anos de crise, as necessidades humanitárias atingiram níveis recorde, devido à destruição generalizada de casas e infraestruturas e ao colapso económico. Desde o início da ofensiva, cerca de 1 milhão de pessoas - na sua maioria mulheres e crianças - foram recentemente deslocadas de zonas como as províncias de Alepo, Hama, Homs e Idlib, muitas delas desenraizadas pela segunda vez.

Na sequência do derrube do governo, milhares de sírios regressaram espontaneamente ao país vindos do Líbano e da Turquia, enquanto outros fugiram na direção oposta. Milhões de refugiados sírios estão a seguir atentamente a evolução da situação no seu país para avaliar se a transição de poder será pacífica, respeitando os seus direitos e permitindo um regresso em segurança.

Guerra na Ucrânia

Mais de mil dias desde que a Rússia lançou a sua invasão total da Ucrânia, milhares de ucranianos morreram e 6,7 milhões tornaram-se refugiados, incluindo 400 mil que atravessaram para a Europa em busca de segurança entre janeiro e agosto deste ano.

Os ataques aéreos coordenados intensificaram-se em cidades como Kiev, Kharkiv, Odesa e Dnipro e as pessoas continuam a fugir ou a ser evacuadas das suas casas nas comunidades da linha da frente no leste do país, juntando-se aos mais de 3,5 milhões que continuam deslocados internamente. Inúmeras crianças não frequentam a escola, estudando online ou, em algumas das zonas mais afetadas pela guerra, em abrigos subterrâneos para evitar os frequentes ataques aéreos.

O ACNUR está a trabalhar com o Governo da Ucrânia para apoiar a resposta humanitária, bem como os esforços de reconstrução. No entanto, em contraste com a enorme manifestação de apoio e solidariedade para com a Ucrânia no início da guerra em grande escala, esta corre o risco de se tornar mais uma crise negligenciada. Com os recentes e renovados ataques às infraestruturas energéticas, que interromperam o aquecimento, a eletricidade e o abastecimento de água, milhões de pessoas enfrentam dificuldades desesperadas à medida que o país suporta o seu terceiro inverno de guerra.

Situação no Afeganistão

Mais de três anos após a convulsão que acompanhou a mudança de poder em agosto de 2021, os afegãos continuam a debater-se com uma crise económica persistente, o legado de décadas de conflito, os impactos crescentes das alterações climáticas e a diminuição dos direitos e liberdades das mulheres e raparigas.

Embora a situação geral em termos de segurança tenha melhorado, o país continua fortemente dependente da ajuda humanitária. Os refugiados recentemente regressados e os que ainda se encontram deslocados no Afeganistão são particularmente vulneráveis e necessitam de apoio, que o ACNUR está a prestar sob a forma de assistência monetária, abrigo, desenvolvimento de competências e formação profissional. As inundações devastadoras de maio e julho causaram destruição e deslocação generalizadas em comunidades que já se debatiam com múltiplas crises.

Em agosto, as autoridades de facto anunciaram uma nova lei sobre a Promoção da Virtude e a Prevenção do Vício, que introduziu novas restrições à liberdade das mulheres, incluindo a liberdade de circulação, de vestuário e de comportamento, bem como aos direitos das minorias religiosas e das pessoas LGBTQI+. Estas restrições - combinadas com o agravamento das pressões económicas - estão a afetar gravemente o bem-estar e a saúde mental dos afegãos, em especial das mulheres afegãs, tornando as intervenções psicossociais do ACNUR mais necessárias do que nunca.

Conflito na República Democrática do Congo

A crise na República Democrática do Congo (RDC) continua a ser uma das mais complexas e negligenciadas do mundo. Décadas de confrontos entre as forças armadas congolesas e vários grupos armados não estatais foram acompanhadas de violações generalizadas dos direitos humanos e de violência baseada no género, deixando 6,4 milhões de pessoas deslocadas no interior do país e mais de 1 milhão a viver como refugiados na região.

O recrudescimento dos combates nas províncias orientais do país forçou a fuga de mais de 940.000 pessoas só no primeiro semestre de 2024. Muitas vivem atualmente em locais de deslocação sobrelotados e insalubres, onde são vulneráveis aos riscos de segurança e às doenças, incluindo o vírus da varíola. A RDC tem estado no epicentro de um surto de varíola este ano, com alguns casos suspeitos entre os refugiados e as pessoas deslocadas.

O ACNUR está a prestar assistência de emergência, incluindo abrigos, cobertores, kits de cozinha e apoio psicológico para tratar traumas, mas uma grave escassez de fundos está a dificultar a sua capacidade de resposta à crise na RDC.

Crise dos Rohingya

Mais de sete anos depois de cerca de 750.000 Rohingya terem fugido para o Bangladesh das violentas repressões no Estado de Rakhine, em Myanmar, as soluções para a crise continuam a ser difíceis de encontrar. Em Myanmar, a escalada do conflito armado no último ano agravou as condições dos Rohingya que permanecem em Rakhine e provocou níveis recorde de deslocações internas em todo o país.

A deterioração da situação de segurança teve um efeito cascata no milhão de refugiados Rohingya que vivem do outro lado da fronteira do Bangladesh, em 33 campos em Cox's Bazar. O subfinanciamento também prejudicou gravemente os esforços de apoio aos refugiados nos campos, levando à redução das rações alimentares no primeiro semestre do ano, à falta de equipamento especializado e de medicamentos nos centros de saúde e à diminuição da qualidade da água, o que levou a um aumento dos casos de cólera e hepatite.

Os campos foram também afetados por uma série de catástrofes, desde incêndios devastadores na estação seca a deslizamentos de terras e inundações repentinas na estação das monções. O agravamento das condições nos campos está a levar mais Rohingya a arriscar as perigosas rotas marítimas para a Indonésia e outros locais.

Emergência climática

Com 2024 a caminho de ser o ano mais quente de que há registo, os fenómenos meteorológicos extremos causaram estragos em todo o mundo. O seu impacto foi particularmente devastador em zonas já afetadas por conflitos ou que acolhem um grande número de pessoas deslocadas à força.

Um relatório publicado pelo ACNUR em novembro concluiu que três quartos das pessoas deslocadas à força vivem em países fortemente afetados pelas alterações climáticas, enquanto metade vive em locais afetados tanto por conflitos como por graves riscos climáticos. Muitos dos que fugiram dos combates correm o risco de serem novamente deslocados devido à seca e a inundações graves.

Foi o que aconteceu no Quénia, no Burundi e na Somália entre março e maio, quando fortes chuvas varreram a África Oriental, inundando campos de refugiados e de pessoas deslocadas internamente. Também em maio, mais de meio milhão de pessoas no sul do Brasil foram deslocadas pelas cheias, incluindo refugiados e pessoas com necessidade de proteção internacional da Venezuela, Haiti e Cuba. Este ano, inundações catastróficas atingiram também pessoas deslocadas no Iémen, no Sudão e em toda a África Ocidental e Central.

Para além de prestar assistência de emergência às pessoas afetadas por estas catástrofes, o ACNUR apela a que seja atribuído mais financiamento aos refugiados e às comunidades de acolhimento para os ajudar a prepararem-se e a adaptarem-se ao agravamento dos efeitos das alterações climáticas.

Aumento da violência baseada no género relacionada com conflitos

A violência baseada no género é uma ameaça para as mulheres e raparigas em todo o mundo, estimando-se que uma em cada três mulheres seja afetada, de acordo com a ONU. Para as mulheres envolvidas em conflitos ou forçadas a fugir das suas casas, os riscos são ainda maiores e os números sugerem que a ameaça está a aumentar à medida que as guerras se multiplicam. Só no ano passado, os relatos de violência sexual relacionada com conflitos aumentaram 50%, apesar de muitas sobreviventes não terem conseguido procurar ajuda.

No Sudão, mulheres e raparigas relatam níveis chocantes de violência sexual em zonas afetadas por conflitos e quando fogem para países vizinhos. Na República Democrática do Congo, as mulheres e as raparigas estão a suportar o peso do conflito, com incidentes de violação a disparar, bem como de exploração sexual por membros da comunidade. No Afeganistão, as crescentes restrições impostas às mulheres e às raparigas e as elevadas taxas de violência doméstica contribuíram para uma crise de saúde mental.

O ACNUR trabalha com as comunidades de refugiados e de acolhimento e com os parceiros locais para prestar apoio psicossocial, alojamento seguro, assistência jurídica e monetária aos sobreviventes, ao mesmo tempo que implementa programas para prevenir a violência antes que ela ocorra.

Progressos para acabar com a apatridia

Este ano foi o ano da conclusão da campanha #IBelong, que durou uma década e foi liderada pelo ACNUR. Durante esse período, mais de meio milhão de pessoas em todo o mundo que viviam na sombra, privadas do seu direito a uma nacionalidade, adquiriram a cidadania.

Na última década, pelo menos 22 Estados adotaram planos de ação nacionais para acabar com a apatridia e, este ano, o Turquemenistão seguiu o Quirguizistão ao anunciar que tinha erradicado todos os casos conhecidos de apatridia no país. A Tailândia também deu um passo importante para acabar com a apatridia com a aprovação de uma via acelerada para a residência permanente e a nacionalidade de quase meio milhão de pessoas, incluindo membros de grupos étnicos minoritários, enquanto o Sudão do Sul aderiu a duas convenções fundamentais sobre a apatridia.

Com muito trabalho ainda por fazer, o ACNUR lançou uma nova Aliança Global para Acabar com a Apatridia em outubro, que inclui mais de 100 Estados e organizações da sociedade civil que se comprometeram a remeter a apatridia para a história.

Verão do desporto

Durante o verão, 45 atletas e para-atletas refugiados competiram nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Paris 2024, constituindo as maiores equipas de refugiados de sempre em ambos os eventos. Durante a cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos, o Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, Filippo Grandi, foi galardoado com o Laurel Olímpico pelo seu trabalho e pelo trabalho do ACNUR, utilizando o poder do desporto para melhorar a vida dos refugiados e de outras pessoas deslocadas.

A pugilista Cindy Ngamba conquistou a primeira medalha de sempre da Equipa Olímpica de Refugiados - um bronze na categoria feminina de 75 kg - enquanto outros membros da equipa, que competiram em 12 desportos, bateram recordes pessoais e mostraram ao mundo o seu talento e determinação.

Algumas semanas mais tarde, nos Jogos Paraolímpicos, Zakia Khudadadi e Guillaume Junior Atangana, juntamente com o seu corredor-guia Donard Ndim Nyamjua, conquistaram medalhas de bronze históricas no taekwondo feminino e na corrida masculina T11 400m, respetivamente, fazendo manchetes e chamando a atenção para os cerca de 18 milhões de pessoas com deficiência deslocadas à força em todo o mundo.

O ACNUR estabeleceu uma parceria com o Comité Olímpico Internacional, a Fundação Olímpica para os Refugiados e o Comité Paralímpico Internacional para apoiar os refugiados nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos.

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