Senhor Presidente do Conselho, Señor Presidente,
Caros amigos e colegas,
Os meus mais sinceros agradecimentos, em nome de todos nós no ACNUR, pelo envolvimento substancial e franco ao longo desta semana.
Ao sentar-me pela décima e última vez neste púlpito – onde já passei 50 dias da minha vida – e ao tentar responder a 155 intervenções no debate geral (o que significa que devo ter respondido a cerca de 1.500 intervenções apenas durante o meu mandato no ExCom – desculpem-me por me vangloriar, mas foi um esforço que valeu a pena!), refleti sobre a relevância contínua deste exercício, para além das formalidades.
Porque nem sempre estivemos de acordo. Nem vocês estiveram sempre de acordo entre si. Mas é precisamente essa a força da diplomacia humanitária, o poder suave do multilateralismo (se me permitem a expressão), e orgulho-me de que, no ExCom, tenhamos demonstrado isso, à nossa maneira, durante uma semana em que a diplomacia pode – pode! – ter prevalecido novamente sobre a força bruta para pôr fim ao desastre em Gaza. Porque também aqui, no ExCom, a diplomacia esteve em ação. Cada um de vós partilhou experiências e perspetivas próprias, refletindo por vezes prioridades divergentes. Mas, através de abordagens diferentes, embora sempre construtivas, concentrámo-nos no que nos une: como proteger refugiados, deslocados e apátridas; como encontrar soluções para o seu sofrimento; e, igualmente, como garantir que o ACNUR se mantém forte e pode tornar-se ainda mais eficiente.
Quero agradecer a todos os que abordaram esta sessão com espírito positivo. Preocupa-me, contudo, a existência de divisões neste órgão, que infelizmente se tornaram mais visíveis nos últimos anos. As divisões lamentáveis criadas pela votação sobre as emendas orçamentais são prova disso. O ACNUR está empenhado em ouvir e trabalhar convosco de forma que continue a ter em conta as preocupações que expressaram.
Ainda assim, congratulo-me com o regresso à adoção do orçamento do ACNUR por consenso, um símbolo fundamental de confiança na organização. Este regresso à tradição é importante, porque demonstra que – apesar das nossas diferenças – com cooperação e compromisso, o multilateralismo pode funcionar. Peço-vos que resistam à tentação de abandonar estas boas práticas.
Senhor Presidente,
Iniciei esta sessão na segunda-feira com uma defesa da Convenção de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados. Julguei necessário fazê-lo, pois senti que os seus princípios estavam a ser questionados. Fico, portanto, aliviado por ter ouvido tantas intervenções sublinhar a relevância contínua desses princípios. O asilo salva vidas. E, como o Haiti expressou de forma convincente, as pessoas que procuram proteção apenas pedem que a sua humanidade seja reconhecida. Nada mais. E, o que é igualmente importante: nada menos. Isto deve ser a nossa estrela-guia.
Muitos de vós destacaram, contudo, os desafios reais que enfrentam, especialmente em situações de movimentos mistos. Desafios que – repito, de uma vez por todas – o ACNUR compreende plenamente. Em julho, no meu próprio país, visitei Lampedusa – um microcosmo das dinâmicas mais amplas dos movimentos mistos, uma pequena ilha situada mais próxima do continente africano do que da Europa continental. Milhares de pessoas – refugiados e migrantes – chegam lá todos os meses após perigosas travessias marítimas, tal como acontece em muitos outros lugares do mundo. Milhares morreram pelo caminho, às mãos de contrabandistas e traficantes na rota para a Líbia, ou ao tentar cruzar o Mediterrâneo.
Como a Colômbia, a África do Sul, a Serra Leoa, a Grécia e a própria Itália, entre outros, salientaram nas suas intervenções, a resposta a movimentos tão complexos deve incluir medidas que reforcem as fronteiras e a integridade dos sistemas de asilo nacionais; mas também deve ser complementada por uma abordagem mais ampla, destinada a abordar as causas profundas do deslocamento nos países de origem, a proporcionar proteção e oportunidades ao longo das rotas a quem delas necessita, e a estabelecer vias regulares de migração (ou de regresso aos seus países) para quem não se enquadra nesses critérios.
Em suma, isto significa implementar a abordagem baseada em rotas, uma proposta que exemplifica como o ACNUR pode apoiar-vos na identificação e execução de soluções adaptadas às vossas necessidades, de modo a reafirmar a soberania dos Estados, respeitando simultaneamente as suas obrigações internacionais.
Senhor Presidente,
As intervenções desta semana deixam poucas dúvidas de que um modelo de ajuda baseado na inclusão e na autossuficiência dos refugiados representa o caminho a seguir em situações de deslocamento forçado – sobretudo nas de grande escala e prolongadas. Sinto-me satisfeito com a ampla gama de declarações que apoiam esta noção – Malawi, México, Ruanda, Jordânia, Uganda, Polónia, Irão, Moldávia, Etiópia e muitos outros chegaram à mesma conclusão: os refugiados devem ter acesso à documentação, a serviços e a empregos enquanto forem acolhidos. Ou, como afirma o artigo 3.º, n.º 1, da recém-adotada Política Nacional do Brasil: os migrantes, refugiados e apátridas são motores de desenvolvimento económico e social.
Para ser claro: inclusão não é o mesmo que integração. Inclusão não significa que os refugiados não possam regressar aos seus países de origem quando as condições o permitirem e for seguro fazê-lo. Em vez disso, os modelos de ajuda inclusivos reconhecem que integrar os deslocados nos sistemas nacionais produz melhores resultados do que deixá-los à margem. Especialmente num momento em que o financiamento humanitário se reduziu de forma tão drástica.
É importante reiterar um ponto que muitos de vós fizeram: a mudança dos países de acolhimento para respostas mais sustentáveis não deve levar os doadores e parceiros a reduzir o financiamento. Pelo contrário – embora o tipo de apoio deva evoluir, a responsabilidade para com os refugiados deve continuar a ser partilhada. E esta transição – o famoso “nexo” – deve ser conduzida de forma gradual e cuidadosa. Caso contrário – como ouvimos do Quénia e de outros – tanto os refugiados como as comunidades de acolhimento correm o risco de serem desestabilizados precisamente no momento em que iniciam o processo de inclusão, que é delicado em qualquer país.
Da mesma forma, não investir suficientemente em situações onde existem perspetivas de solução pode ser igualmente, ou até mais, desestabilizador. Falámos do regresso dos sírios ao seu país e da necessidade de estabilizar esses regressos dentro da Síria para evitar novos deslocamentos na região e além dela. Esta mesma dinâmica aplica-se a outras operações de regresso em crises prolongadas de refugiados que não recebem muita atenção nem recursos – como na República Centro-Africana ou no Burundi. Ambas oferecem a promessa de uma solução – se formos capazes de mobilizar financiamento – ou o perigo de uma nova emergência humanitária, caso não o consigamos.
Senhor Presidente,
Quero também abordar brevemente a questão do mandato central do ACNUR, mencionada em várias ocasiões. Têm sido feitas sugestões de que a organização se desviou do seu propósito original e, como resultado, perdeu o foco ou tornou-se menos eficaz. Discordo dessa afirmação por vários motivos.
O mandato é, na realidade, bastante claro: garantir a proteção dos refugiados e ajudar os Estados a encontrar soluções para o seu sofrimento. Vários instrumentos jurídicos exigem ainda que o ACNUR trabalhe para a eliminação da apatridia e contribua para apoiar as pessoas deslocadas internamente.
Esses são os nossos alicerces, que espero que ninguém conteste. Depois, naturalmente, podemos discutir como esses princípios são traduzidos em ação prática, especialmente em termos de assistência material. Rejeito a ideia de que o alcance das nossas atividades no passado nos tenha afastado da missão central – por exemplo, as restrições financeiras podem obrigar-nos infelizmente a reduzir programas de educação ou saúde, mas, em contextos de refugiados, ambos são vitais para a proteção e para as soluções. Portanto, esses cortes representam perdas (para as quais teremos de procurar alternativas), não um “regresso ao mandato principal”.
Podem colocar-se questões semelhantes quanto ao nosso trabalho em matéria de ação climática, mas esta é uma área em que – como afirmaram muitos de vós, incluindo o Bangladesh, a Somália e a Irlanda – é importante que o ACNUR adapte o seu trabalho às circunstâncias. Ignorar isso seria ignorar a realidade dos deslocamentos forçados contemporâneos. Não podemos – nem devemos – ignorar o impacto dos grandes movimentos populacionais sobre o ambiente em Cox’s Bazar, Dadaab ou Zaatari. Nem podemos ignorar a interação complexa entre conflito e os efeitos adversos das alterações climáticas que deslocam pessoas no Corno de África ou no Sahel – muitas das quais necessitam de proteção.
Claro que o nosso envolvimento na ação climática – como em todos os outros setores de assistência, acrescento – deve manter-se estratégico e claramente definido, tendo em conta as nossas vantagens comparativas (ou a falta delas). Tal como está estabelecido no nosso plano estratégico para a ação climática, o nosso trabalho nesta área limita-se a vias bem definidas – proteção, soluções, resiliência e adaptação – que se inserem no nosso mandato mais amplo. Essa será a mensagem que levarei comigo à COP30, em Belém, dentro de algumas semanas.
A Revisão de Progresso do Fórum Global sobre Refugiados será, em dezembro, outra oportunidade para discutir estas questões de parceria, eficiência e transformação – também no contexto da ONU80 e das reformas humanitárias mais amplas, que são tão importantes para nós como para vós.
Senhor Presidente,
Quero reconhecer as expressões unânimes de apoio num momento em que o setor humanitário enfrenta uma crise devido aos cortes na ajuda externa.
Como muitos de vós disseram, esta é, antes de mais, uma crise para todos os refugiados e para todos aqueles que dependem de nós. Para todas as famílias que terão menos comida. Para todas as raparigas que já não poderão estudar. Para todos os que – sem culpa própria – sofrerão as consequências mais diretas e severas destes cortes.
É também uma crise para muitos países de acolhimento, que mantiveram as suas portas abertas mesmo quando o financiamento secou. Como ouviram repetidamente esta semana, muitos sentem-se abandonados, dados como garantidos. Como se não tivessem de enfrentar, eles próprios (tal como os países doadores), as razões que levaram aos cortes orçamentais na ajuda: crises económicas, limitações orçamentais, pressões políticas internas, preocupações com a segurança. E, além de tudo isso, acolhem populações refugiadas – o que raramente acontece com os países doadores.
Finalmente, esta é uma crise também para o ACNUR – e agradeço-vos pelas palavras de apoio, especialmente em nome de todos os colegas afetados por estas reduções. Ouvistes diretamente o presidente do nosso conselho de pessoal. Estamos prontos para fazer mais. Podemos fazer mais. Mas precisamos de mais recursos.
Por isso, devo apelar-vos mais uma vez, em nome de todos.
Precisamos de pelo menos 300 milhões de dólares para encerrar o ano. Por favor, ajudem-nos.
A todos os que possam fornecer apoio adicional e flexível para 2025 – agora é o momento. A todos os doadores ou potenciais doadores que se mantiveram à margem e que poderiam fazer mais – especialmente na região do Golfo ou na Ásia – agora é o momento. Sem apoio urgente e flexível, teremos de fazer mais cortes em grandes operações humanitárias, onde muitas das nossas atividades são vitais para salvar vidas.
Rejeitei a ideia de que podemos fazer mais com menos. E agora deixarei oficialmente de dizer que faremos menos com menos. Faremos tanto quanto os recursos permitirem – mas uma coisa é certa: faremos bem.
E é com essa mensagem, Senhor Presidente, que me despeço deste comité – de vós, os nossos principais parceiros, interlocutores e amigos. Após dez anos intensos, desafiantes e marcantes. Como todos os seres humanos, poderia ter feito mais. Cometi erros. Mas procurei dar tudo de mim – consciente das responsabilidades que advêm de liderar uma organização encarregada, sim, de salvar vidas, no sentido mais amplo. Uma organização que oferece uma perspetiva extraordinária sobre o pior – mas também o melhor – do nosso mundo.
E antes de terminar, gostaria, como é tradição, de agradecer a si, Embaixador Bermudez, Señor Presidente, caro Marcelo, pela sua liderança firme do Comité Executivo deste ano – não apenas durante esta sessão plenária, mas ao longo de um ano difícil. Obrigado pela sua dedicação, pela sua diplomacia serena e pelo seu compromisso pessoal.
Quero também felicitar o meu amigo Embaixador Oike, do Japão, pela sua eleição como Presidente – bem-vindo, Atsuyuki, a esta importante tarefa. Felicito igualmente o restante Bureau, incluindo o Embaixador Daka, da Etiópia, como Primeiro Vice-Presidente, o Embaixador Endresen, da Noruega, como Segundo Vice-Presidente, e o novo Relator Arango Blanco, da Colômbia.
São também devidos agradecimentos a Anne Keah e a todas as equipas do ACNUR – passadas e presentes – do Secretariado do ExCom, pelo seu trabalho incansável, sem o qual estas sessões não seriam possíveis.
Finalmente, para terminar numa nota pessoal, senti-me honrado por muitas delegações terem expressado apreço pelo meu mandato como Alto Comissário para os Refugiados.
Mas quero ser claro – nada teria conseguido sem o extraordinário apoio dos meus colegas: os meus adjuntos, a Vice-Alta Comissária Kelly Clements e os Altos Comissários Adjuntos Raouf Mazou e Ruven Menikdiwela, bem como os seus antecessores George Okoth-Obbo, Volker Türk e Gillian Triggs; a minha chefe de gabinete, Shahrzad Tadjbakhsh, e as suas antecessoras; todos os diretores, alguns presentes aqui, atuais e antigos, da Equipa de Gestão Sénior; o presidente do Conselho de Pessoal e todos os representantes dos trabalhadores; e, por fim, mas não menos importante, os colegas pacientes e dedicados do Gabinete Executivo desde 2016 – e, claro, TODOS os colegas da organização na qual cresci, tanto profissional como pessoalmente.
A todos eles vai a minha mais sincera gratidão – pelo seu trabalho, pela sua dedicação, pela sua amizade – e por fazerem do ACNUR algo verdadeiramente único.
Levar-vos-ei a todos no coração, para sempre.
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