Declaração do Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, Filippo Grandi, à Conferência de Alto Nível da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre os Muçulmanos Rohingya e Outras Minorias em Myanmar

Declaração do Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, Filippo Grandi, à Conferência de Alto Nível da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre os Muçulmanos Rohingya e Outras Minorias em Myanmar

30 de setembro, 2025

Tempo de leitura: 6 minutos

Compartilhar

Senhora Presidente, Delegados, Representantes da Sociedade Civil e Colegas,

Caros amigos e colegas,

Visitei recentemente Myanmar. Pude observar como um país já mergulhado numa crise humanitária devastadora ainda se debatia com as consequências do recente terramoto. Permitam-me, portanto, associar-me aos outros intervenientes na saudação a esta conferência.

Ouviram a Enviada Especial Julie Bishop descrever os desafios políticos. Tal como em outras crises, e tendo em conta a forma como os conflitos são conduzidos pelas partes em todo o país — demasiadas vezes com total desrespeito pelas regras da guerra — os civis, como ouvimos esta manhã, são mortos, feridos e privados do essencial. Mais de 5 milhões de pessoas estão deslocadas, das quais mais de 1,5 milhões procuraram refúgio em países vizinhos. Nas minhas próprias conversas com as autoridades de facto em Naypyidaw, reiterei os pedidos das agências humanitárias no terreno — precisamos de acesso seguro e sem restrições às pessoas afetadas pelos combates. Recebi algumas garantias, mas estes pedidos urgentes e vitais devem ser continuamente transmitidos por todos os que têm capacidade para o fazer.

No contexto mais amplo de Myanmar, e tendo presente que a conferência de hoje visa abordar a situação de todas as minorias, gostaria de concentrar-me em particular na situação da população Rohingya, com a qual a minha organização, o ACNUR, trabalha há muitos, muitos anos. A sua situação é, de certa forma, única — não só continuam a ser discriminados, privados de direitos e abusados, uma realidade que enfrentam há décadas, como também estão presos num dos vários conflitos étnicos que afetam o país — mas que, no seu caso, nem sequer é o seu próprio conflito: trata-se do embate entre o Exército de Arakan, no Estado de Rakhine, e as autoridades de facto.

O povo Rohingya tem enfrentado desafios há muito tempo — não apenas nos últimos oito anos — mas foi há oito anos que foi alvo de uma violência indescritível por parte das forças armadas de Myanmar, levando 750 mil pessoas a fugirem para o Bangladesh. Outras tornaram-se deslocadas ou permaneceram deslocadas no Estado de Rakhine. Com os avanços do Exército de Arakan, que agora controla quase todo o estado, a sua situação não melhorou. Persistem a discriminação, a destruição das suas aldeias, a exclusão do trabalho e dos serviços, a negação contínua da sua própria identidade. Os Rohingya vivem sob a ameaça de prisão e detenção arbitrárias, com acesso limitado a cuidados de saúde e educação. Não podem deslocar-se livremente. São sujeitos a trabalho forçado e recrutamento forçado. As suas vidas são definidas diariamente pelo racismo e pelo medo.

Senhora Presidente,

Por estas razões, quero reiterar a minha gratidão aos países da região que, durante anos, acolheram refugiados de Myanmar, e em especial refugiados Rohingya, como a Malásia, a Indonésia e a Tailândia. Gostaria, em particular, de prestar homenagem ao povo e à liderança do Bangladesh — o Excelentíssimo Conselheiro-Chefe, Professor Yunus, está aqui presente — por acolherem cerca de 1,2 milhões de refugiados Rohingya. Desde que os combates voltaram a intensificar-se em Rakhine em 2024, mais 150 mil pessoas procuraram segurança no Bangladesh. E, apesar dos enormes desafios, o Bangladesh continua a acolhê-los, dando um exemplo ao resto do mundo. Mostrando-nos que a compaixão ainda é possível numa época em que a indiferença e a inação estão, infelizmente, a tornar-se rapidamente a norma. Mostrando-nos que oferecer asilo a refugiados salva vidas.

Compreendo, no entanto, que acolher uma população de refugiados tão numerosa representa um grande fardo — por isso quero louvar os países que estão a dar passos positivos para implementar políticas que permitam aos refugiados desenvolver autonomia. As instituições financeiras internacionais — em particular o Banco Mundial e o Banco Asiático de Desenvolvimento — também desempenharam um papel fundamental, disponibilizando mais de 1,25 mil milhões de dólares para investir em programas destinados a reforçar a resiliência tanto das comunidades refugiadas como das comunidades de acolhimento. O setor privado também tem contribuído. E esperamos que muito mais possa ser feito, especialmente nos setores críticos da educação, do desenvolvimento de competências e dos meios de subsistência.

Mas os países de acolhimento, como foi repetido várias vezes esta manhã, não podem assumir essa responsabilidade sozinhos. A resposta humanitária no Bangladesh continua cronicamente subfinanciada, incluindo em áreas fundamentais como alimentação e combustível para cozinhar. As perspetivas de financiamento para o próximo ano são sombrias. A menos que cheguem mais recursos, seremos obrigados a fazer mais cortes, apesar das necessidades, tentando minimizar o risco de perda de vidas: crianças a morrer de desnutrição, ou pessoas a morrer no mar à medida que mais refugiados embarcam em perigosas viagens de barco.

Temos de fazer mais, por favor. Apelo a todos vós. E, para além do financiamento, é essencial oferecer soluções, em linha com os compromissos assumidos no último Fórum Global sobre Refugiados. Soluções como o reassentamento, bem como outras vias de esperança, através da educação ou da mobilidade laboral. Nenhuma ajuda é demasiado pequena, especialmente quando a alternativa leva a uma maior instabilidade na região e a medidas mais dispendiosas no futuro.

O mais importante, contudo, é não esquecer que esta crise tem origem em Myanmar. E é aí, Senhora Presidente, que reside a solução.

Já o dissemos muitas vezes. Foi dito hoje, aqui. Mas não podemos continuar num caminho de inércia e esperar, de alguma forma, uma resolução enquanto uma população inteira continua a definhar. As recomendações da Comissão Consultiva de Rakhine continuam tão relevantes como sempre e devem orientar o nosso envolvimento no sentido do regresso voluntário, seguro e sustentável dos refugiados Rohingya às suas casas — como é seu direito — e com o envolvimento pleno, aliás, dos próprios refugiados. Mas sem ações mais arrojadas, a situação dificilmente mudará. E estes são problemas que os humanitários não podem resolver sozinhos.

Os países com influência na região devem intensificar o seu envolvimento para ajudar a criar condições para a mudança. Mencionei este ponto à comunidade diplomática quando estive em Yangon. Esse esforço deve incluir a utilização de canais de comunicação com todas as partes envolvidas no conflito em Rakhine para transmitir esta mensagem. Não apenas com as autoridades de facto, mas também com o Exército de Arakan. E embora os recentes gestos de reconciliação da sua parte sejam um passo na direção certa, devemos prosseguir com mais unidade, coerência e determinação alguns objetivos fundamentais, como restabelecer a presença e o acesso humanitários no norte de Rakhine e, por qualquer via apropriada, nas futuras áreas de regresso; retomar as medidas de criação de confiança iniciadas pelo ACNUR e pelo PNUD há anos e agora severamente limitadas pela insegurança e por outras restrições; insistir junto daqueles que controlam os campos onde ainda vivem deslocados internos para que enfrentem a sua situação e procurem, de forma genuína, soluções justas e duradouras.

Porque essa é a lição que retiramos de acontecimentos noutras partes do mundo. A Síria, por exemplo, ou a situação entre a República Democrática do Congo e o Ruanda. Contextos diferentes, sem dúvida, mas que demonstram que é possível, através de um envolvimento político sustentado e de abordagens inovadoras, alterar a trajetória de conflitos que parecem intratáveis.

Não temos outra escolha se quisermos traçar um novo rumo para o povo de Myanmar — um rumo baseado em princípios, pragmatismo e visão de futuro — e se quisermos encontrar uma solução duradoura para o sofrimento do povo Rohingya.

O ACNUR está pronto para apoiar. Continuaremos a trabalhar com os Estados-Membros, os organismos regionais, a sociedade civil e as organizações lideradas por refugiados para mobilizar recursos e promover a proteção, a resiliência e as soluções para todas as pessoas deslocadas dentro e fora de Myanmar.

Obrigado.

Por Filippo Grandi, Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, em Nova Iorque

Notícias relacionadas

  1. ACNUR
  2. Notícias Refugiados
  3. Declaração do Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, Filippo Grandi, à Conferência de Alto Nível da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre os Muçulmanos Rohingya e Outras Minorias em Myanmar