Apesar do regresso a uma casa danificada e da falta de serviços, a antiga refugiada Ibtihal permanece esperançosa, mas é necessário mais apoio internacional para atender às necessidades humanitárias e garantir a recuperação duradoura da Síria.
Sentada na sala de estar da sua casa danificada pelo conflito, na cidade de Sheikh Miskeenin, na província de Dar'a, no sul da Síria, Ibtihal, de 52 anos, descreveu a onda de emoção que sentiu há três semanas, quando ela e o marido finalmente atravessaram de volta para a Síria, após uma década como refugiados na Jordânia.
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"Quando cheguei e fiquei na fronteira, senti-me eufórica e emocionada, comecei a chorar", disse Ibtihal. "Estava tão feliz e entusiasmada por regressar... Não via o meu país nem a minha família há 12 anos."
Tendo estado separada da sua casa e dos seus familiares por tanto tempo, Ibtihal pensou em alguns dos acontecimentos marcantes que ocorreram durante a sua longa ausência. "Imaginem, o meu pai faleceu enquanto eu estava lá [na Jordânia], e o meu sobrinho foi morto por bombardeamentos."
O regresso emocional do casal depressa deu lugar a desafios práticos, ao descobrirem as condições difíceis que agora enfrentam, tal como o resto do país. A sua casa foi parcialmente destruída por bombardeamentos durante o conflito e, ao voltarem, encontraram portas e janelas destruídas, um telhado danificado e sem eletricidade ou água corrente. Até o pavimento que Abu Abbas - ladrilhador - tinha instalado foi retirado por saqueadores.
"Quando vi a minha casa, estava em ruínas", disse Ibtihal. "A vida é realmente difícil - faltam as necessidades básicas. O sistema de esgotos está entupido e não consigo lidar com as coisas mais simples. Não tenho dinheiro para consertar nada. O meu marido quer trabalhar para reconstruirmos a nossa casa aos poucos."
"Fiquei chocada com o estado de todo o país", continuou. "A forma como as pessoas estão a viver é desoladora; mal têm o essencial para sobreviver. Se Deus quiser, será reconstruído um dia. Tenho grande fé que a Síria voltará a ser como era antes."
O casal baseou a decisão de regressar não apenas no facto de finalmente ser possível, após a queda do governo de Assad, mas também porque a vida na Jordânia se tornou mais difícil, uma vez que Abu Abbas lutava para encontrar trabalho. Eles estão entre os mais de 270.000 refugiados sírios que já regressaram ao país desde os eventos dramáticos de dezembro.
Num estudo recente do ACNUR sobre refugiados sírios na região, 27% dos inquiridos disseram que pretendem regressar à Síria nos próximos 12 meses - um aumento significativo em relação aos apenas 1,7% que afirmaram o mesmo antes da queda do regime.
Apesar do crescente desejo de regressar, os resultados do estudo indicam que cerca de três quartos dos refugiados sírios não planeiam voltar no próximo ano e preferem esperar para ver como a situação evolui. Atualmente, existem 5,5 milhões de refugiados sírios na Turquia, Líbano, Jordânia, Iraque e Egito.
Obstáculos ao regresso
Os principais fatores que impedem o regresso dos refugiados são a falta de habitação ou de acesso às suas propriedades, preocupações com a segurança, a interrupção de serviços básicos e desafios económicos, incluindo a falta de empregos.
Estes receios são confirmados pelas imensas necessidades que os refugiados retornados enfrentam, no meio de uma crise humanitária mais ampla na Síria, após anos de conflito e dificuldades económicas. Com muitas casas danificadas ou destruídas e serviços de saúde, água e eletricidade comprometidos, milhões de pessoas no país estão a lutar para sobreviver ao frio intenso do inverno.
Aqueles que regressam dizem que o apoio humanitário e a assistência financeira são essenciais para os ajudar a recomeçar as suas vidas enquanto procuram uma fonte de rendimento estável.
O ACNUR e os seus parceiros, principalmente ONG sírias, estão a fornecer aos que regressam itens básicos para o lar, reparações em casas danificadas, assistência financeira de emergência, apoio na substituição de documentos perdidos e aconselhamento psicológico, entre outros serviços.
Mas, com as necessidades a ultrapassarem largamente os recursos disponíveis, o ACNUR está a apelar à comunidade internacional para aumentar o apoio. No dia 13 de fevereiro, Paris acolherá uma reunião de Governos e doadores para discutir a necessidade urgente de apoio internacional à Síria na transição pós-Assad.
Locais fazem compras num mercado de rua na cidade de Dar'a, no sul da Síria. © ACNUR/Alex St-Denis
“Quando os repatriados regressam a casa, muitas vezes têm dificuldade em garantir um rendimento e, por conseguinte, tornam-se demasiado dependentes da ajuda humanitária, e não é isso que querem. Querem pagar o seu próprio caminho. Portanto, não se trata apenas de uma questão económica, mas também de uma questão de dignidade”, afirmou Gonzalo Vargas Llosa, Representante do ACNUR na Síria.
“Sem uma injeção de apoio internacional, em termos de mais ajuda humanitária e de atividades de recuperação e reconstrução, os refugiados que regressam não poderão reconstruir as suas vidas na Síria e muitos outros refugiados na região e fora dela não poderão regressar. O risco é que a esperança se transforme em desilusão e frustração, pelo que temos de fazer muito mais - e rapidamente”, acrescentou.
Embora Abu Abbas tenha encontrado trabalho na construção civil e tenha começado a reparar a sua casa, a família ainda tem de ultrapassar alguns obstáculos. No ano passado, na Jordânia, Ibtihal recebeu tratamento para o cancro, mas os serviços de saúde na cidade vizinha de Dar'a são dificultados pela falta de equipamento, pessoal e medicamentos.
Abu Abbas começou a reparar a casa da sua família, danificada por um projétil. © ACNUR/Alex St-Denis
“É preciso ir a Damasco, mas o custo da viagem é demasiado elevado e eu não tenho dinheiro para isso”, explica. “Se quisermos ir a um médico especialista, custa 150.000 libras sírias (11,70 euros) só pela consulta. Eu não tenho esse dinheiro”.
O acesso à educação é também um grande desafio para as crianças refugiadas que regressam. Muitas escolas estão danificadas, mal equipadas e sofrem de falta de pessoal. As próprias crianças têm de se adaptar a um novo currículo, para além da agitação do regresso a um país que muitas delas nunca viram antes.
O filho mais novo de Ibtihal e Abu Abbas, Omar, de 14 anos, estava a frequentar a escola na Jordânia, mas ainda não se matriculou desde que regressou à Síria. Está a ajudar o pai no seu trabalho como ladrilhador e planeia retomar os estudos no próximo ano letivo.
Ibtihal e o seu filho mais novo, Omar, de 14 anos, sentam-se na sala de estar da sua casa danificada em Sheikh Miskeen, na província síria de Dar'a. © ACNUR/Vivian Tou'meh
Manter a esperança
“Os desafios aqui são muitos. Estamos numa comunidade com enormes necessidades... há muita destruição”, explicou Hiba Shannan, Assistente de Proteção do ACNUR em Dar'a. “As pessoas estão a regressar para viver em [casas] sem teto, sem cozinhas, sem serviços adequados, sem infraestruturas adequadas. Estamos aqui para responder e prestar serviços. Estamos a tentar definir as prioridades com a comunidade para responder primeiro”.
“No entanto, há [também] vida”, acrescentou Shannan. “Vejo nos olhos dos retornados que eles estão a dizer: estamos finalmente em casa, na nossa terra natal. Isto dá-lhes esperança que nunca encontrariam noutro lugar. Estão dispostos a ir para zonas onde faltam serviços porque sentem que pertencem a elas.”
É o caso de Ibtihal e Abu Abbas que, apesar de todos os desafios, estão felizes por estarem em casa e olham positivamente para o futuro.
“Continuamos a ter esperança”, concluiu Ibtihal. “Se Deus quiser, voltaremos a viver com amor e amizade, e a vida voltará a ser como era.”
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